Gadamer, Apel e Habermas1
Fernando Rasnheski2
Após uma vivência catastrófica, comparada com o acontecimento vivido pelos intelectuais no período pós-guerra, há de formular nova maneira de vivência para situar o problema que leva à uma demanda cética e simplesmente racional, a qual não mais formula pensamento vivenciando experiência de uma filosofia que traga fundamentos primeiros. O momento que está sendo inaugurado é de uma reiteração da hermenêutica filosófica, que visa uma interpretação interna em termos filosóficos, para responder à Europa perante à ‘infelicidade’ espiritual e ao ‘inexorável’ declínio da sua independência política3 e a nível de pensamento já direcionado, pois há que buscar um fundamento mais social e comunicativo.
Gadamer dá seu ponto de partida para uma consciência voltada ao sentido da hermenêutica, que vai além daquele que é tomado como tradicional, ou seja, ultrapassa a interpretação heideggeriana que analisa o “eis-aí-ser” e “tematiza a compreensão como um constituído fundamental do ser histórico”4, ou seja, ele passa de um fundamento psicologizante para constituir uma hermenêutica comparada na história que teria perdido seu sentido no decorrer do processo de modernização. O que marca como fundamental em sua forma de pensar será o homem inserido numa historicidade de compreensão que busca a forma originária de ser (ontológico) do “ser-no-mundo”. O que se articula com relação a essa busca do ser está comparável a uma efetuação transcendental, tendo como ponto de referência Kant e que com a caminhada vai além dele. Este se vê além quando mostra que a subjetividade está contida na história em que se manifesta a tradição e os costumes. Sua hermenêutica é determina pela consciência que é história: uma hermenêutica de finitude. Aqui a hermenêutica não é mais um problema de metodologia, mas de ontologia, pois o caminho tomado dessa nova maneira de ver a ontologia é de reconhecimento do “eis-aí-ser” dos entes e sua independência da subjetividade humana5.
Quanto à Apel, encara o retorno à uma pragmática transcendental6 que não vê a descoberta da reflexão sobre a linguagem como mais um objeto dentro da filosofia, que isso refrata como condição última de uma própria estrutura filosófica num status teórico. Sua iniciativa é de retorno à filosofia de Kant que indaga ao transcendental à qual pergunta pela possibilidade e validade do conhecimento humano enquanto tal7. Apel quer ficar dentro de uma perspectiva transcendental kantiana8 que se fixa numa ciência dos fundamentos que trouxe uma historificação da razão, não àquela que busca destruir o homem mediante sua historia, mas aquela que resgata aos desafios pretendido mediante a mesma. O tear de Apel está em resgatar a filosofia em meio ao escombro das outra ciências que prefixa um nível empírico. Filosofar é não ficar ao nível das outras ciências. Ora, o que vai caracterizar a filosofia contemporânea não é mais a subjetividade (filosofia moderna), mas a intersubjetividade se mostra como o princípio último do filosofar, e isto se vincula através da problemática da fundamentação e a problemática da intersubjetividade que vai distinguir a então crise da razão.
Em outra instância é encontrado Habermas que parte da pragmática universal. Sua primeira tentativa estava dentro de uma teoria da competência humana ao qual traz uma mediação entre os elementos da filosofia transcendental moderna e, consequentemente, da linguística e da filosofia da linguagem em que passará a ter um fundamento a sua teoria crítica da sociedade9. O pensamento de Habermas trata-se de “introduzir nos fundamentos de uma definição da razão científica e crítica, o conceito de ‘atividade comunicativa’, ligado por sua vez ao de ‘mundo vivido’”10, ou seja, a razão é colocada na dependência de uma filosofia da consciência do Dasein que define a comunicação social como realidade intersubjetiva. Esta solução está fadada por uma descrição pragmática da linguagem como instrumento de comunicação, a qual perdura mediante uma análise da integração social.
Enquanto que Gadamer e Apel adentram na questão da busca de uma essência para a explicação da reviravolta hermenêutica que é vivificada a partir da mundialização com o objetivo de um resgate da centralidade do pensar, Habermas identificará a metafísica a partir de três sentidos: o de pensamento de identidade, o de doutrina das ideias e o de conceito forte de teoria. Portanto, para Habermas a reviravolta linguística não pode significar a eliminação da razão e do ‘pensamento da unidade’ que marcara a tradição ocidental, mas sua transformação. Este vinculará filosofia ao nível de outras ciências (contrária a tentativa de Apel). Já Apel tenta resgatar o sentido que foi deixado da filosofia como aquela que busca os primeiros últimos e retratará a partir daquilo que Kant havia direcionado como fundamento11. Por fim, Gadamer tratará de uma nova ontologia da linguagem à qual trabalhará mediante o sentido de que as coisas vêm à palavra. O que há de comum nos três filósofos é a descoberta que vai tanger entre a subjetividade, a objetividade e a intersubjetividade da compreensão na interação do filosofar de cada um, mesmo com caminhar diversificado.
1 Texto apresentado originalmente na disciplina de Filosofia da Linguagem e Hermenêutica , sob a orientação do Prof. Ms. José Moacir de Aquino, no curso de Filosofia, ano de 2000, na UCDB, Campo Grande, MS, e revisitado no ano de 2010 como proposta de possibilitar questionamentos tanto para essa temática quanto para outros aportes com fundamentação filosófica que permeia nosso cotidiano da atualidade. Espero que as ideias não se esgota apenas enquanto presença no texto.
2 Atualmente, ano de 2010, é Professor Formador do Cefapro de Matupá, MT, e professor efetivo da rede estadual de educação, com formação em Filosofia e Pós-Graduado em Didática do Ensino Superior.
3 Cf. DELACAMPAGNE, C. História da filosofia no século XX. Trad. Lucy Magalhães. Rio de Janeiro: Zahar, 1997; pp.233-234. Como complementação, também conferira nota 29 da p. 261 do livor de Manfredo, abaixo citado, ao que descreve: “a linguagem emerge como condição de possibilidade para o homem criar uma existência humana com os outros homens no mundo, pois nela se gera o sentido, fundamento do agir num mundo propriamente humano”.
4 Cf. OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Reviravolta linguística-pragmática na filosofia contemporânea. São Paulo: Loyola, 1996; p.225.
5 Cf. Ibidem. p.224
6 Este é o caminho tomado por Apel, que vai significar: “em primeiro lugar, em tempos pós-metafísicos, recuperar a pergunta que moveu, no fundo, a reformulação do pensamento filosófico em sua reviravolta transcendental”. Cf. OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Sobre a fundamentação. 2ª ed. Porto Alegre: Edipucrs, 1997; p.60.
7 Pergunta que condiz à tradição do pensamento transcendental que agora reflete como pensamento hermenêutico comparado com a filosofia analítica. Isto traz a reflexão do jogo de linguagem que está sendo próprio da filosofia atual.
8 Cf. DELACAMPAGNE, C. Op. cit. p.276
9 Conferimos com o próprio Habermas que: “Tão-somente a metacrítica, à qual a teoria do conhecimento é submetida por uma inflexível auto-reflexão, apenas a crítica de Hegel ao questionamento lógico-transcendental de Kant leva ao paradoxal resultado de a filosofia não apenas mudar de posição frente à ciência, mas de renunciar totalmente a ela. Gostaria, por isso, de defender a tese de que a ciência não foi, a rigor, pensada filosoficamente depois de Kant. Como uma categoria do conhecimento possível, a ciência só se deixa compreender, em termos de teoria do conhecimento, enquanto não é exageradamente identificada como o saber absoluto de uma grande filosofia, ou cegamente nivelada à autocompreensão científica da rotina investigatória fática.” HABERMAS, J. Conhecimento e interesse. Trad. e int. de José N. Hech. Rio de Janeiro: Zahar,1982; p.26.
10 Cf. DELACAMPAGNE, C. Op. cit. pp.276-277.
11 Para Kant, o sentido exato da filosofia enquanto atividade se define: “sua tarefa específica é responder à questão da fundamentação do nosso conhecimento dos objetivos da experiência na medida em que ela tematiza o a priori através do qual este conhecimento se torna possível e precisamente neste sentido se trata de um conhecimento próprio, que Kant denomina transcendental. (…) Trata-se de tematizar a questão da validade de nosso conhecimento”. Cf. OLIVEIRA. Op. cit. p.63.
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