'Bom professor é o que faz o aluno aprender por si', diz matemático
SABINE
RIGHETTI
DE SÃO PAULO
DE SÃO PAULO
10/02/2014
04h05
O
matemático norte-americano Salman Khan não baseia suas aulas em nenhum teórico
da educação como Jean Piaget. Mesmo assim, consegue uma proeza: prender a
atenção dos alunos –e são milhões de alunos.
Criador
do Khan Academy, plataforma de estudos na internet que direciona os estudos dos
usuários a partir de exercícios básicos, ele defende que o conhecimento não
deve estar em caixinhas.
Ou seja:
quem gosta de matemática pode, sim, ter aptidão para letras ou história.
E pode
aprender as áreas do conhecimento juntas.
"O
processo de aprendizagem é um só", diz o especialista que acaba de lançar
no Brasil a tradução do livro "Um Mundo, uma Escola" (Editora
Intrínseca, R$ 29,90).
Também
acaba de chegar ao Brasil a própria Khan Academy. A Fundação Lemann lançou
neste mês a versão em português do material (http://pt.khanacademy.org).
Isso
inclui 100 mil exercícios de matemática e mil videoaulas de várias áreas do
conhecimento –o que corresponde a 20% do total de vídeos em inglês.
Abaixo, a
entrevista exclusiva para a Folha, concedida por meio do Skype.
*
Folha -
Como surgiu a ideia de colocar aulas na internet?
Salman
Khan - Uma
sobrinha minha de 12 anos começou a ter problemas em matemática na escola e eu
ofereci ajuda. Isso foi em 2004. Eu morava em Boston, e ela morava em Nova
Orleans. Então, começamos a falar por telefone e pela internet. O processo
ajudou, e o aprendizado dela em sala foi se acelerando. Depois eu comecei a
trabalhar em ferramentas para ajudá-la. A Khan Academy surgiu de uma tentativa
de simplesmente ajudar meus sobrinhos na escola. Comecei com ela, depois passei
a ajudar os irmãos dela.
Em 2005
registrei o domínio do Khan Academy na internet, passei a postar os vídeos com
as aulas, meus amigos começaram a assisti-los e divulgá-los. A coisa ganhou
escala e o mundo inteiro começou a assistir os vídeos e fazer os exercícios
[hoje a plataforma educativa traz 100 mil exercícios de matemática e quase
cinco mil videoaulas sobre várias disciplinas].
E o que
aconteceu com sua sobrinha que tinha problemas com matemática?
Ela se
deu bem em matemática, melhorou muito e rapidamente. Ela acabou se dedicando à
escrita.
Acho que
ela é uma boa escritora porque ela é boa em matemática. Penso que as duas
atividades estão relacionadas, ambas são similares e utilizam muito o cérebro.
Hoje ela estuda escrita no Sarah Lawrence College (EUA).
Baseado
nessa ideia de multidisciplinaridade que você, que é matemático, também dá
aulas de disciplinas como história na Khan Academy?
[risos]
Eu acho que sou uma pessoa multidisciplinar. E acho que a maioria das pessoas
também pode ser. É como eu disse: eu não acredito que matemática ou escrita
sejam diferentes. Ambos usam partes importantes do cérebro. É isso que quero
passar aos meus filhos.
Eles não
se veem como pessoas de humanas, de exatas ou de biológicas. Eles se veem como
estudantes, como pessoas que podem aprender e se envolver com o que quiserem.
Não acredito que o conhecimento seja segmentado em caixas.
Essa
maneira conectada e multidisciplinar é uma nova forma de ver a educação?
Na
verdade, não. Esse era o modelo da educação há cerca de 200 anos. Mas era um
modelo muito caro porque as pessoas tinham mestres individuais, não daria para
fazer uma educação de maneira massiva como é feita hoje.
Há,
claro, ganhos no novo modelo educacional com professores por áreas do
conhecimento ensinando um grupo de alunos. Mas estamos, sim, retomando ideias
antigas de educação.
O que
temos de novo agora são as tecnologias que nos permitem retomar esses padrões
de educação que foram dispensados ao longo do tempo. E temos escala. No Khan
Academy nós não estamos falando de um milhão de pessoas, mas sim de dez milhões
de usuários que estão no sistema de ensino e que integram o Khan Academy na sua
rotina de aprendizado. Isso é inovador.
Grandes
universidades americanas como MIT e Harvard passaram a disponibilizar cursos na
internet recentemente. Elas foram influenciadas pela proposta da Khan Academy?
A ideia
de oferecer educação de graça e em qualquer em qualquer lugar está relacionada
de alguma maneira. A diferença é a maneira como estamos fazendo. Os cursos
on-line massivos de plataformas como o edX e Coursera [que trazem cursos
abertos de universidades como MIT, Harvard e Caltech] são focados em
digitalizar cursos que já existem presencialmente. Ou seja, de colocar on-line
algo que já existia.
Além disso
esses cursos têm data para começar e terminar. Nós somos mais focados em como
prover às pessoas conhecimento. Vamos mostrar para você onde você precisa ir e
você irá, no seu tempo e nas suas condições.
Mas assim
como o edX, a Khan Academy está mostrando um caminho para o qual a educação
está seguindo, sem fronteiras na internet.
Sim,
estamos definitivamente em um novo mundo. Nos últimos dez ou cinco anos
qualquer pessoa pode aprender algo que decidiu estudar se tiver acesso à
internet. O truque é: como relacionamos o aprendizado na internet e o que se
aprende presencialmente com o contato com os professores?
Ainda não
temos resposta.
O que é
uma escola boa?
É uma
escola que tem professores incríveis e que oferece a eles uma estrutura
suficiente para que trabalhem com os alunos possibilidades de explorar o
conhecimento.
É preciso
dar a eles flexibilidade de tempo para que eles não sejam obrigados a ensinar
determinado assunto em determinado tempo.
Os alunos
precisam aprender com os professores como direcionar seu próprio estudo. E aí
entra a tecnologia. O professor não deve usar tecnologia somente porque alguém
mandou que o fizesse.
Os
professores sabem usar tecnologia em sala de aula?
Todos
temos de aprender. Primeiramente é preciso que a tecnologia esteja presente na
sala de aula. É o primeiro passo. Isso deve começar a acontecer cada vez mais.
Você
disse que boa escola é a que tem "professores incríveis". O que é
isso?
Muita
gente associa um professor incrível com alguém que dá aulas sensacionais. Eu
acho o contrário.
Um
professor incrível é o que conhece profundamente o assunto que pretende passar,
mas que entende que precisa passar ao estudante ferramentas para que ele
descubra o conhecimento por si só. O bom professor na verdade é um ótimo guia.
Você dá
aulas presenciais?
Não.
Apenas para amigos e para a família [risos]. Eu já dei aulas no passado, muito
antes da Khan Academy, mas nunca pensei em seguir minha carreira nesse sentido.
Então
você nunca estudou para ser um professor?
Não.
Como
surgiu a ideia de traduzir o material da Khan Academy para o português?
Nós fomos
procurando pela Fundação Lemann há alguns anos e achamos a ideia ótima. Eu
visitei o Brasil com a minha família, conheci um pouco do contexto local e
falamos da tradução.
Somos um
dos piores países do mundo em matemática, segundo o exame internacional Pisa. A
Khan Academy pode ajudar os brasileiros?
Não posso
fazer promessas, mas posso dizer que existe essa mesma expectativa aqui nos
Estados Unidos.
Vocês
sobrevivem apenas com doações?
Sim.
Temos suporte da Fundação Bill & Melinda Gates, do Google e de grandes
empresas e de pessoas físicas. Qualquer moeda ajuda.
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